Pandemia
Um punhado de dentes. As mãos, juntas feito concha pra beber água em bica, levavam um punhado de dentes ainda sujos de um sangue que já começara a desidratar. Eram dentes inteiros, com raízes. No meio da rua, gente com o rosto murcho esmurrava seus punhos nas buzinas dos carros, outros choravam olhando para o céu e, não distante e atônita, ela observou um jovem alto sendo cisalhado por um ônibus sem motorista e uma velha mureta. Olhou em volta e o pânico escancarado a ensurdeceu; uma fila com centenas de...
pessoas aumentava cada vez mais, e todas traziam seus semblantes pálidos e seus punhados de dentes nas mãos. De frente para a fila, usando os três degraus imundos do posto de saúde como palanque, uma mulher gorda e já sem nem um dos seus dentes gritava, com insucesso, as regras do atendimento: "Não toquem em ninguém! Vocês adquiriram um vírus contagioso. Não toquem em ninguém! Toda a equipe médica está preparada para atendê-los". Deitado à beira do caos, na calçada, um mendigo roncava.
pessoas aumentava cada vez mais, e todas traziam seus semblantes pálidos e seus punhados de dentes nas mãos. De frente para a fila, usando os três degraus imundos do posto de saúde como palanque, uma mulher gorda e já sem nem um dos seus dentes gritava, com insucesso, as regras do atendimento: "Não toquem em ninguém! Vocês adquiriram um vírus contagioso. Não toquem em ninguém! Toda a equipe médica está preparada para atendê-los". Deitado à beira do caos, na calçada, um mendigo roncava.
*Originalmente publicado na coluna "conto... ou não conto?", do jornal Taperá, em 22 de junho de 2013.
Alex Pinheiro
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Caso você também não tenha conseguido interpretar a parábola...
não se preocupe, pois muita gente também não entendeu. E isso, de certo modo, entristece-me já que a escrita não tem sentido se o código não é interpretado, rs.
Enfim, escrevi sim antes do pronunciamento da presidente Dilma em reposta ao movimento nacional que levou milhares de pessoas para as ruas. O conto é profético, nesse ponto. Somente depois consegui assimilar os acontecimentos e trazê-lo à luz de todos os fatos.
Em função de inúmeros questionamentos sobre a correta leitura, segue abaixo referências da parábola:
- Os dentes representam as nossas mazelas.
- A "mulher gorda" é interpretada pela presidente Dilma.
- A "equipe médica" são os ministros do Governo.
- O "mendigo" roncando é a representação da gente à margem que, resignados e "já sem dentes", preferem dormir enquanto o gigante acorda.
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